Monday, July 28, 2008

Morango e Chocolate

"Siempre es 26, siempre es 26. Para nosotros siempre es 26."

“Morango e Chocolate” (Cuba, 1994) é um filme realizado por dois dos grandes diretores da história do cinema da ilha: Juan Carlos Tabío e Tomas Gutiérrez Alea, sendo o penúltimo trabalho deste antes de sua morte. Com atuações primorosas de Jorge Perugorría, Mirta Ibarra e Vladimir Cruz, o longa-metragem narra a vida de três personagens (Diego, Nancy e David, respectivamente), a partir do momento em que suas trajetórias se cruzam.

Primeira obra do país a ser indicada para o Oscar de melhor filme estrangeiro (uma grande injustiça, considerando os grandes clássicos que já foram produzidos naquele território), traz de maneira por vezes divertida, por vezes trágica, mas sempre muito sensível, questões bastante delicadas da Revolução Cubana para o foco das atenções.

Esta postura não é singular na carreira de ambos. Tabío, por exemplo, foi o realizador do hilário “Se Permuta” (1984), no qual uma mãe enrola metade da população local para conseguir uma bela casa para sua filha morar depois de casada. E Alea já em 1966 dirige a comédia “A morte de um burocrata”, criticando alguns perigos que ele vislumbrava no processo que vivia a sociedade de então (cabe ressaltar que todos estes filmes mencionados, além do aqui analisado, foram patrocinados pelo estatal Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográfica).

O tema da vez é a homossexualidade e a liberdade de expressão. Diego é um professor universitário que tem problemas com as mais diversas instituições do regime e seus representantes (na figura de vizinhos, superiores ou mesmo de jovens da Liga Comunista como David) principalmente por sua orientação sexual, mas também por discordar das diretrizes que norteiam a produção cultural do país. Ao ver este último tomando um sorvete, aposta com seu amigo Germán que é capaz de levá-lo para a cama, e por isso se aproxima dele.

A princípio, o estudante e militante comunista fica muito irritado com o assédio, mas acaba concordando em ir até a casa do estranho, atraído por supostas fotos que ele havia feito de sua peça (e, claro, por uma considerável dose de curiosidade). O encontro marca o começo de uma grande amizade, além de um profundo processo de aprendizagem para David, que vê algumas de suas grandes certezas e preconceitos serem paulatinamente abalados. A vizinha e amiga de Diego – e suicida – Nancy completa o trio dos personagens principais, cabendo a ela a realização de amorosa da história (diretamente no caso do jovem, que jamais havia tido relações sexuais, e indiretamente no de Diego, que se afeiçoa tanto pelo rapaz que quer vê-lo feliz ainda que em dentro do padrão heterossexual).

Um dos pontos fortes do filme é não ceder a construções rasteiras de espécie alguma. Nenhum dos personagens está totalmente certo ou errado. Há razão nas falas do intelectual gay sobre as perseguições que tem que enfrentar diariamente, mas também são plausíveis as análises do defensor da Revolução sobre seus erros e os métodos ilegais de Nancy de ganhar a vida, assim como a culpa que ela sente por isso. No que diz respeito ao desenvolvimento dos personagens, há coerência nos avanços e retrocessos das posturas de David. Ainda bem, isso evita que ele da noite para o dia se converta em um chato mocinho e o filme em uma óbvia lição de moral. A disputa dos amigos pelo jovem (que inclui algumas mentirinhas e mesmo uma batalha religiosa) também auxilia a construção de pessoas multidimensionais em uma sociedade complexa.

O outro grande acerto é o modo como as marcas da época são trabalhadas no universo ficcional e paisagístico. As limitações impostas pelo período especial (1992-2000) se encontram materializadas tanto nos pequenos contrabandos de Nancy quanto na bela seqüência em que vemos uma construção destruída enquanto Diego fala da cidade. Esta é, aliás, uma síntese exemplar do acertado caminho trilhado pelos diretores para desenvolver essa rara película.

Sunday, July 13, 2008

Me Gustan los Estudiantes


Em homenagem ao Eduardo Galeano e as suas excelentes declarações sobre integração regional.

Mario Handler é um dos grandes nomes do cinema uruguaio. Se tornou famoso tanto por sua atuação na Cinemateca del Tercer Mundo, um dos poucos lugares na América Latina onde se podia exibir filmes políticos/militantes com mais liberdade durante os anos 60 e 70, como também por sua intensa produção cinematográfica.
“Me gustan los estudiantes”, um curta-metragem em preto-e-branco de seis minutos, é seu sétimo filme e recebeu o prêmio de Melhor Filme Nacional no ano de sua realização (1968). Talvez de todas as suas obras com claro objetivo de intervenção política na realidade esta seja a mais famosa.
E não por acaso. Assim como Now! (1964), do realizador cubano Santiago Álvares, a banda sonora é uma música bastante conhecida – no caso a canção homônima ao filme composta por Violeta Parra – sobreposta a uma série de imagens bastante fortes.
No entanto, se este elegeu fotos fixas de situações de preconceito racial nos Estados Unidos como sua matéria-prima, aquele usou o material ainda “quente” dos protestos que ocorreram em seu país durante a realização da Conferência dos Chefes de Estado em Punta del Este (especialmente o confronto entre estudantes e policiais).
A provocação começa já com os lindos créditos iniciais, cuja dureza e despojamento dos nomes e funções escritos diretamente sobre a película contrastam com o doce e machista cartaz de apoio ao evento, o primeiro plano da película. Eles também questionam a tranqüilidade transmita pelas imagens da chegada dos principais líderes em seus aviões, assim como o faz as primeiras estrofes da música (¡Que vivan los estudiantes/ jardín de las alegrías!/ Son aves que no se asustan/ de animal ni policía/ y no le asustan las balas/ ni el ladrar de la jauría. Caramba y zamba la cosa/ que viva la astronomía!).
Em seguida, inicia-se uma montagem alternada entre os presidentes em suas protegidas reuniões e a turbulência nos espaços abertos da cidade. A edição de som é muito interessante, já que pontua alguns momentos – em geral os que aparecem manifestantes e polícia – sem se fazer presente todo o tempo, o que seria de se esperar de um filme com uma linguagem de certa maneira próxima ao videoclip.
No âmbito dos protestos, são mostrados os preparativos de uns e outros: os estudantes abrem e penduram suas faixas; os agentes do Estado verificam seus esquemas de segurança. A partir do momento em que os embates vão se tornando cada vez mais duros (ou seja, vão ocorrendo mais “interações”), a montagem segue alternada, mas passando a variar entre ação e reação dos dois grupos da rua, praticamente abandonando os presidentes.
A música deixa de ter intervalos. E mais, passa a se relacionar de maneira mais clara com o plano das imagens. Em diversos momentos, como quando ela se refere a pedras, punhos cerrados e tiranos, há uma associação que pode ser classificada como direta. No caso desses últimos, vê-se a utilização do humor, já que é um dos poucos momentos em que retorna a conferência dos presidentes.
Seu final, que alia um momento de ápice da música, tanto em sua melodia como em conteúdo, com planos dos jovens jogando pedras nas forças repressivas – as quais que se vêem obrigadas a recuar, é extremamente pertinente a um filme com claras pretensões de agitação social, como este é.
Cabe ainda pontuar o domínio da técnica de montagem demonstrada e a elaboração fotográfica. Claro que há seqüências nas quais a imagem é bastante tremida, pela câmera estar na mão de um cinegrafista que precisa correr para sua própria proteção. Contudo, sempre que possível – e em especial nos planos em que há alguma fonte emissora de fumaça (bombas, barricadas) – o que se vê são imagens muito bem compostas, ontológicas dentro de seu gênero.