Monday, March 30, 2009

Crónica de un niño solo


E com vocês, mais um episódio da pinguina versus os ruralistas...
Ah, mais uma vez atraso de postagem por causa do blogger.

A sociedade argentina, desde meados da década de 1940, estava dividida em peronistas e não-peronistas, alternando momentos de vitória entre uns e outros. Essa polarização e toda discussão trazida por ela em torno de questões como o nacional, o popular, relação com o exterior, entre outros pontos polêmicos, contribuiu decisivamente para uma espécie de “descoberta” de diversos setores até então esquecidos – e em alguns casos menosprezados - por artistas e intelectuais.
Leonardo Favio, o diretor pouco conhecido de Crônica de un niño solo (Argentina, 1965) e que de certa maneira pertencente a este movimento, possui uma trajetória bastante interessante. Sua relação com o cinema começa através do seu talento como ator. No entanto, até alcançar essa posição, passou por situações bastante difíceis e desconfortáveis; chegou a passar fome, e esteve por um tempo em um seminário, além de ter conhecido a cadeia.
Coincidência ou não, seu primeiro longa-metragem acompanha a vida em uma instituição para menores, em especial Polin, um que consegue escapar e pode aproveitar alguns momentos em liberdade. No entanto é bom aclarar que Crônica de un niño solo não é um filme autobiográfico, e sim parte de uma trilogia cujo elo não está em personagens ou na temática, e sim em uma abordagem com fortes marcas do neo-realismo a diversos temas de interesse do referido movimento.
Poder-se-ia desmembrar a obra em duas partes e um epílogo. A primeira apresentaria ao público a vida das crianças na clausura, submetidas a uma disciplina férrea. Na verdade, mais que de uma apresentação, seria correto falar de uma tentatia de transposição da realidade. Todos os elementos cinematográficos são orquestrados com uma incrível precisão para que o espectador sinta todo o tédio, a desesperança, o cotidiano dos que estão “dentro”.
A demora na individualização das crianças (inclusive a espera pela definição de quem é na realidade o protagonista do filme) e um feliz uso dos silêncios e das ações em seu tempo integral transmitem toda a opressão e o fastio daquelas existências. Além disso, há um reforço dado pela fotografia de Ignácio Souto através de um jogo de contrastados claros e escuros, simetrias e duras sombras projetadas na parede, que muitas vezes constituem formas geométricas capazes de encerrar ainda mais o ambiente.
Essa etapa do filme contém aquela que é provavelmente a sua mais hipnotizante cena: a fuga de Polin. Através de lentos planos-seqüência (que somam mais de dez minutos), o filme mostra as tentativas do garoto para abrir o trinco da porta com seu cinto, seu êxito, os momentos de indecisão depois de conseguir aquilo que considerava impossível e finalmente sua saída para a rua. Um desses raros momentos em que ritmo, plano e contraplano e alternâncias de foco se encontram com perfeição.
O momento seguinte do filme traz a busca do protagonista pela sua liberdade. Ele toma um trem, furta o dinheiro de um senhor que dorme, e chega uma região pobre e periférica. Suas gentes e paisagens humildes são tão enfatizadas que por alguns segundos se convertem nos personagens centrais. Planos abertos, câmera móvel e lugares bucólicos marcam a oposição entre essa nova fase e tudo o que se viu até agora.
A polarização, entretanto, tem uma curta duração. A natureza que traz a felicidade do banho de rio, de deitar-se nu na relva, das brincadeiras de criança se converte no palco da mais violenta cena do filme. A tão desejada liberdade revela uma face ainda mais perversa que o internato, e a procura de Polin, que se acreditava estar encerrada, talvez nunca chegue ao fim.
O epílogo se apresenta, ao mesmo tempo, como a revelação do fim e um retorno ao começo. A noite volta, e com ela a escuridão, a crua iluminação, mas também a possibilidade de alcançar os momentos de maior ruptura. Uma noite ambígua que pode equivaler-se à de sua fuga ou às muitas que passou na instituição para menores.

Sunday, March 15, 2009

Personal Che

O que significarão, exatamente, as mudanças anunciadas no governo de Cuba?

Personal Che (Brasil/Estados Unidos/Colômbia, 2007), documentário dirigido por Douglas Duarte e Adriana Marino, elege como seu tema principal um fenômeno facilmente perceptível nas ruas e que, até o momento, havia despertado poucas análises, pelo menos nas grandes telas: os diversos usos contemporâneos que estão sendo feitos da imagem do revolucionário argentino Ernesto Che Guevara.
Para citar um exemplo bastante corriqueiro: aquela camiseta do guerrilheiro morto há mais de 40 anos que vende no camelô, na feira hippie, na internet e até em lojas de departamento, o que ela significa exatamente? É possível encontrar alguma semelhança no pensamento e nas práticas das milhares de pessoas que fazem uso dela todos os dias?
Através de entrevistas realizadas em países tão diferentes como Cuba, Estados Unidos, Bolívia, Alemanha e China, a dupla de cineastas começa a montar um mosaico de histórias que, no final do filme, permitirão ao espectador tirar suas próprias conclusões sobre como encarar o consumo massivo de uma figura história que dedicou quase toda sua vida a lutar contra a sociedade de consumo tal como a conhecemos.
Pode-se afirmar com toda segurança que os resultados por eles encontrados são no mínimo inusitados. Pessoas de extrema-direita, pessoas muito religiosas, pessoas que se consideram de esquerda, pessoas que afirmam não se interessar por política... Todas elas têm suas representações daquele que consideram ser um herói, assim como justificativas coerentes (ao menos dentro de suas lógicas) para a preferência por este personagem, e não por qualquer outro.
Desvendar cada um desses pequenos universos é um dos pontos altos deste filme, que tem também ao seu favor o ineditismo e a criatividade de sua proposta e, é claro, o inegável carisma de Che Guevara, capaz de fazer com que ninguém consiga ficar indiferente a ele.
Contudo, nem só de alegrias vive Personal Che. No seu nível formal, identifica-se a repetição de um padrão bastante comum no cinema brasileiro (e, vale dizer, também no mundial): a distinção entre a voz do saber e a voz da experiência, para usar uma nomenclatura de Jean-Claude Bernardet. Apesar de trazer algumas atualizações ao modelo de documentário sociológico tradicional, como não se valer da voz sobreposta e explorar a presença dos corpos dos realizadores em cena, a obra claramente reserva lugares distintos para sujeitos distintos. E qual é o critério de diferenciação, ou melhor, de hierarquização? A presença – ou ausência – dos entrevistados da academia. Aqueles a quem poderíamos chamar genericamente de “intelectuais” explicam a paixão dos outros. A estes cabe apenas narrar o que sentem, como sentem e que forma agem. Não lhes é solicitada uma reflexão sobre os por quês.
No nível ético, há em especial um momento do filme que é bastante controverso. Um dos diretores conta a uma senhora boliviana devota de Che Guevara (a quem chama carinhosamente de “alminha”) que seu santo era, na verdade, ateu e guerrilheiro. Fica muito evidente que o impacto de tal revelação é enorme e muito dolorido para ela, que fica muda durante alguns momentos – os quais, de tão constrangedores, conseguem deixar a plateia desconfortável.
É possível imaginar o dilema gerado pela sequência na hora da montagem. Se utilizada, poderia caracterizar Douglas Duarte como desrespeitoso e insensível para com os seus entrevistados. Se omitida, conferiria ao resultado final uma impressão de não-conflitividade que pode ter sido a regra, mas que contou com pelo menos esta importante exceção. A opção foi jogar o veredicto final para o telespectador. Concorde-se ou não com seu comportamento, ou mesmo com sua decisão, ela foi, é preciso destacar que foi ao menos, corajoso.

Sunday, March 1, 2009

El camino de San Diego



Aconteceram tantas coisas desde o último post que decidi não vincular este texto a nenhuma data específica. Vejamos quantas vidas tem um blog!

Em 2008, Maradona é escolhido para dirigir a seleção argentina, a despeito de sua pouca e trágica experiência na área datar da década passada. Em La Radiolina (2007), Manu Chao apresenta ao público sua segunda canção em homenagem a Diego: La Vida Tombola.
É para dentro deste contexto de idolatria e amor incondicional que o realizador argentino Carlos Sorín transporta o espectador em seu mais novo filme, El Camino de San Diego (2008), através de uma história a qual, conforme consta no início da obra, não é verdadeira, mas poderia ter sido.
Habitante da região de Misiones, Tati Benítez é mais um dos tantos fanáticos pelo craque que estão espalhados por todo o mundo. Tem o rosto de seu ídolo tatuado no braço, o número 10 nas costas e, invariavelmente, veste uma réplica da camisa com a qual ele jogava quando defendia seu país.
Um narrador onipresente e entrevistas com seus companheiros de trabalho (também moto-serristas), recursos típicos de documentários – e de falsos documentários, reforçam o que a imagem já deixava transparecer, indo além: eles dão a dimensão do quanto é tênue a linha que separa a admiração do exagero que beira o ridículo. Ao menos aos olhos dos outros.
A pacata vida de Tati sofre uma primeira transformação no momento em que ele perde seu emprego. Sem alternativa melhor, o protagonista acaba se tornando coletor de madeiras para um velho artesão, que lhe ensina a identificar no que cada uma delas deve ser transformada.
Um dia qualquer, voltando para casa debaixo de uma chuva torrencial, encontra um tronco enorme no formato de Diego Maradona, o qual, com muito esforço, consegue serrar. A partir de então, todo seu tempo livre é dedicado a limpá-lo e talhá-lo, a fim de doar a escultura para o então recém inaugurado museu do Boca Juniors.
O plano é alterado quando, em 17 de abril de 2004, o ex-jogador é internado em uma clínica com graves problemas cardíacos. Tati decide, então, que deve viajar até Buenos Aires para entregar o presente nas mãos do mito pessoalmente. A vidente de seu povoado confirma: isso está escrito em seu destino.
Como um peregrino que carrega uma cruz, o personagem central caminha diversos quilômetros com seu Maradona de madeira até chegar à estrada. Ao tomar o primeiro ônibus, encontra assento vago ao lado de um padre, com o qual conversa sobre sua empreitada.
A associação construída pelo diretor, neste e em alguns outros momentos, entre a força do futebol e a da religião é muito clara. Em tempos de visitação aos santuários pagãos de Gauchito Gil (homem que, segundo a lenda, foi degolado por ser desertor da Guerra do Paraguai e, ainda assim, evitou a morte do filho de seu algoz quando foi invocado) é “San Diego” quem abre todas as portas a Tati.
Perto da capital, o caminhão de Waguinho, um brasileiro que estava lhe dando uma carona (e que também era devoto de Gauchito Gil), fica impossibilitado de seguir viagem devido a um piquete. O motorista tenta argumentar com o líder do movimento que sua carga consistia em milhares de frangos, os quais iriam morrer se ele não alcançasse logo o destino previsto. Diante da negativa de passagem, ele apela para a delicada situação de saúde de Maradona, o que tornaria urgente a entrega da homenagem. Dessa maneira, consegue que a assembléia aprove sua partida.
Uma vez mais Carlos Sorín realiza um road movie. Uma vez mais trabalha com personagens populares, oriundos de rincões esquecidos na Argentina e afetados pela crise. Ainda assim, El Camino de San Diego é uma obra única em muitos aspectos e, apesar de alguns clichês e perdas de ritmo, provavelmente pode ser apreciada mesmo por aqueles não muito simpáticos ao futebol.