Sunday, September 21, 2008

American Visa



Depois de semanas de tensão ocasionada pela direita golpista, o país escolhido não poderia ser outro.

American Visa (México/Bolívia, 2005) é o segundo longa-metragem do diretor Juan Carlos Valdivia. A produção conta a história de Mario, professor de inglês em Potosí obstinado a emigrar para os Estados Unidos, e Blanca, uma prostituta de Beni. Os conhecidos atores mexicanos Kate del Castillo e Demián Bichir interpretam os papéis principais. O encontro de ambos e o desenlace de suas histórias acontecem em La Paz, onde esta trabalha e aquele se encontra para tirar o visto.
A pergunta lançada pela propaganda do filme, algo como “Por que todos pensam que a Gringolândia é a solução dos seus problemas?”, reiterada muitas vezes pela bela protagonista, na verdade não é desenvolvida na trama. O máximo que acontece nesse sentido é Mario descobrir que o responsável pela imigração estava envolvido diretamente no esquema ilegal de compra de carimbos para os passaportes.
As interrogações que estão presentes o tempo todo são “Que preço vale à pena pagar quando se tem um objetivo?” e “Por que algumas pessoas acham que no exterior – e em especial nos EUA – a vida sempre é melhor?”. É em relação a estas que as personagens se questionam, refletem e agem, ele se detendo mais na primeira e ela na segunda, embora no final a obra exija de ambos respostas para as duas.
Infelizmente há alguns elementos extremamente atuais que deixam de ser trabalhados logo nos primeiros minutos, os quais poderiam contribuir para amenizar o tom de drama romântico que predomina na narrativa. Logo em sua chegada a La Paz, Mario toma um táxi e, ao ver seu percurso interrompido por uma apresentação folclórica na rua, comenta com o motorista que o problema desta parte do país era a falta de compromisso de seus habitantes. Furioso, este exija que seu passageiro desça imediatamente.
Há também um debate no interior do hotel entre Mario, Blanca, seu Antonio e um outro hóspede no qual a prostituta defende seu país, do qual afirma não sair de maneira alguma, e a necessidade de se lutar para torná-lo melhor. O sumiço desse tipo de provocação para Mario acaba debilitando não apenas seu personagem, mas a própria película, que deixa de problematizar o que é o sonho de fazer a América na sociedade boliviana.
Os Estados Unidos têm uma presença ostensiva sim, contudo ela é muito óbvia e direta, principalmente no discurso de Mario e em elementos da Direção de Arte. A boate na qual Blanca trabalha, por exemplo, tem por todos os lugares as bandeiras deste país, e em determinado momento um transeunte passa ao lado de Mario, ocupando boa parte do quadro, com uma camisa que também reproduz o mesmo símbolo nacional.
Esta falta de sutileza e mesmo de criatividade na elaboração simbólica dos emblemas estadunidenses contrastam com uma visão mais complexa da relação de fascínio e ódio que os bolivianos em particular e os latino-americanos em geral estabelecem com tal nação.
A edição do filme também incomoda. Em algumas seqüências o ritmo acelerava exageradamente, gerando ruído e dispersão em seqüências centrais da história, ou em outras nas quais nada justificava a mudança da montagem. Ademais, a trilha sonora, bastante presente, está ali para acentuar o clima transmitido pela trama e pelas imagens, nada mais.
Ao final da exibição, a impressão que fica é de desperdício de uma excelente premissa dramática. Valdivia declarou para o jornal El Nuevo Día que sua nova produção era “entretenida ‘como debe ser el cine’. Talvez seja esta concepção equivocada de certo papel que o audiovisual obrigatoriamente tenha que cumprir a principal causa de American Visa ser muito mais uma história de amor que “también reflexiva y política en el sentido de que deja entrever el ‘desencanto’ de la ciudadanía por ese aspecto, la política boliviana”, como o diretor tanto almeja.

Deus e o Diabo na Terra do Sol



Este texto é do dia 7 de setembro, que o blogger só me deixou portar agora...

Muitas vezes se fala de cinema latino-americano como se o Brasil não participasse de tal recorte – o que, aliás, não é uma exclusividade dessa área. Na maioria das vezes o país está mesmo de costas para seus vizinhos mais próximos, lembrando dos mesmos apenas quando há a ameaça da atuação de algum deles afetar diretamente seus interesses geopolíticos.
Para não reforçar o erro que se está criticando, o filme do texto de hoje é brasileiríssimo/latiníssimo. Um dos grandes ícones do cinema da região, possuidor de algumas seqüências conhecidas por cinéfilos do mundo inteiro: Deus e o Diabo na Terra do Sol (Glauber Rocha, 1964).
Como fazer análises sobre a referida obra é um exercício que vem sendo repetido desde o seu lançamento, e na verdade há muito pouco de novo a se dizer sobre ela a partir deste viés, resolvi apontar quais são, em minha opinião, os momentos que a tornam antológica, e os porquês.
Citaria, primeiramente, a seqüência na qual o ex-vaqueiro agora beato Manuel carrega uma pesada pedra morro acima, tendo por objetivo conseguir chegar com ela até o interior da igreja e assim provar a sua fé. Sem dúvidas há diversas elipses na montagem, mas esta, aliada à duração dos planos, à atuação de Geraldo Del Rey e à repetição da mesma ação dão ao espectador a sensação de tempo real.
Um tempo real angustiante, penoso, de sacrifício, como é o tempo das penitências. E suportar esta sucessão de planos não deixa de ser algo semelhante para aqueles que se dispõe a acompanhá-la. Mescla de imolação e gozo, nosso e do protagonista com o qual estamos identificados.
Pouco tempo depois, surge na tela o segundo trecho que avalio merecer tamanho destaque: o sacrifício do inocente para lavar a alma do condenado. Rosa, a mulher de Manuel, não faz nenhuma questão de esconder sua descrença em Sebastião, que, ao invés de castigá-la, se propõe a salvá-la através da purificação com o sangue de uma criança.
Assim, se encontram à frente de um altar/palco o santo, o casal e o ser do qual se tirará a vida. A tensão é crescente, embora se suspeite não se sabe exatamente o que Sebastião, que agora maneja um punhal benzido, fará. Infelizmente, o enquadramento, a escala de plano e o ângulo de filmagem prejudicam esta seqüência em um de seus momentos principais. Mas em seguida o filme se recupera, já que Antônio das Mortes chega ao Monte Santo e mata todos os fiéis que ali estão. Ele poupa apenas Manuel e Rosa, os quais encontra acuados ainda dentro da igreja. Nesse instante todos os elementos que não foram combinados de modo tão feliz na hora da morte da criança estão impecáveis, e o vigor e força de Deus e o Diabo conhecem aqui uma de suas mais fortes materializações.
Se as duas primeiras envolvem o universo messiânico, as outras duas selecionadas se passam na fase cangaço de Manuel e Rosa. É lugar comum elogiar a atuação de Othon Bastos como Corisco. Ainda assim é impossível não mencioná-la, em especial quando, com apenas seu corpo (ou partes dele) em quadro, refaz a última conversa que teve com Lampião. Os movimentos de câmera são, contudo, tão importantes para o êxito desta parte da obra como a própria performance do ator.
Assim como quando o novo bando de Corisco aparece para se vingar no casamento do filho de um homem que o havia humilhado. Talvez seja o momento no qual os atores em seu conjunto (já que individualmente há outros de destaque) mostram maior expressividade dramática, mas os planos apenas funcionam porque a montagem alterna entre gerais e de conjunto, dando a oportunidade do espectador entrar no transe através de seus múltiplos focos.
Definitivamente, falar de Deus e o Diabo é clichê, mas sempre muito prazeroso!

Sunday, September 7, 2008

Deus e o Diabo na Terra do Sol

Muitas vezes se fala de cinema latino-americano como se o Brasil não participasse de tal recorte – o que, aliás, não é uma exclusividade dessa área. Na maioria das vezes o país está mesmo de costas para seus vizinhos mais próximos, lembrando dos mesmos apenas quando há a ameaça da atuação de algum deles afetar diretamente seus interesses geopolíticos.

Para não reforçar o erro que se está criticando, o filme do texto de hoje é brasileiríssimo/latiníssimo. Um dos grandes ícones do cinema da região, possuidor de algumas seqüências conhecidas por cinéfilos do mundo inteiro: Deus e o Diabo na Terra do Sol (Glauber Rocha, 1964).

Como fazer análises sobre a referida obra é um exercício que vem sendo repetido desde o seu lançamento, e na verdade há muito pouco de novo a se dizer sobre ela a partir deste viés, resolvi apontar quais são, em minha opinião, os momentos que a tornam antológica, e os porquês.

Citaria, primeiramente, a seqüência na qual o ex-vaqueiro agora beato Manuel carrega uma pesada pedra morro acima, tendo por objetivo conseguir chegar com ela até o interior da igreja e assim provar a sua fé. Sem dúvidas há diversas elipses na montagem, mas esta, aliada à duração dos planos, à atuação de Geraldo Del Rey e à repetição da mesma ação dão ao espectador a sensação de tempo real.

Um tempo real angustiante, penoso, de sacrifício, como é o tempo das penitências. E suportar esta sucessão de planos não deixa de ser algo semelhante para aqueles que se dispõe a acompanhá-la. Mescla de imolação e gozo, nosso e do protagonista com o qual estamos identificados.

Pouco tempo depois, surge na tela o segundo trecho que avalio merecer tamanho destaque: o sacrifício do inocente para lavar a alma do condenado. Rosa, a mulher de Manuel, não faz nenhuma questão de esconder sua descrença em Sebastião, que, ao invés de castigá-la, se propõe a salvá-la através da purificação com o sangue de uma criança.

Assim, se encontram à frente de um altar/palco o santo, o casal e o ser do qual se tirará a vida. A tensão é crescente, embora se suspeite não se sabe exatamente o que Sebastião, que agora maneja um punhal benzido, fará. Infelizmente, o enquadramento, a escala de plano e o ângulo de filmagem prejudicam esta seqüência em um de seus momentos principais. Mas em seguida o filme se recupera, já que Antônio das Mortes chega ao Monte Santo e mata todos os fiéis que ali estão. Ele poupa apenas Manuel e Rosa, os quais encontra acuados ainda dentro da igreja. Nesse instante todos os elementos que não foram combinados de modo tão feliz na hora da morte da criança estão impecáveis, e o vigor e força de Deus e o Diabo conhecem aqui uma de suas mais fortes materializações.

Se as duas primeiras envolvem o universo messiânico, as outras duas selecionadas se passam na fase cangaço de Manuel e Rosa. É lugar comum elogiar a atuação de Othon Bastos como Corisco. Ainda assim é impossível não mencioná-la, em especial quando, com apenas seu corpo (ou partes dele) em quadro, refaz a última conversa que teve com Lampião. Os movimentos de câmera são, contudo, tão importantes para o êxito desta parte da obra como a própria performance do ator.

Assim como quando o novo bando de Corisco aparece para se vingar no casamento do filho de um homem que o havia humilhado. Talvez seja o momento no qual os atores em seu conjunto (já que individualmente há outros de destaque) mostram maior expressividade dramática, mas os planos apenas funcionam porque a montagem alterna entre gerais e de conjunto, dando a oportunidade do espectador entrar no transe através de seus múltiplos focos.

Definitivamente, falar de Deus e o Diabo é um clichê. Mas sempre muito prazeroso!