Sunday, August 24, 2008

Luz Silenciosa

Uma homenagem às vítimas da onde de violência no México no começo deste mês.

Está em cartaz em algumas salas do país Luz Silenciosa (México/Holanda/ Alemanha/França, 2007), terceiro longa-metragem do polêmico diretor Carlos Reygadas. Habitualmente seus filmes despertam reações de amor e ódio na crítica e no público, e nada nessa produção parece sinalizar uma recepção diferente.

Não me arriscaria a dizer que o filme é a história de um homem menonita de meia-idade que se apaixona por uma outra mulher da pequena e fechada comunidade onde vive – que se converte em sua amante – e acaba matando a esposa de desgosto. Apesar de, de fato, esta trama estar presente durante toda a obra, não parece que ela seja o elemento principal da mesma.

Tão importante quanto as ações são os lugares e tempos de seu desenrolar, e como já fica explícito em seu título, a luz que ilumina – ou não – todos eles. Não por acaso o realizador abre e encerra seu filme com deslumbrantes nascer e pôr do sol (respectivamente), e um estupendo céu de estrelas.

Essa equiparação entre narrativa e fruição estética do espectador (também alcançada através de enquadramentos que privilegiam a beleza de pessoas, da natureza e de suas interações) certamente faz com que a obra se afaste muito das regras do cinema clássico-narrativo às quais todos estão tão acostumados. O que ajuda a explicar os bizarros comentários que ouvi no banheiro feminino após a sessão.

“Filme de intelectual”, “personagens chatos”, “sonolento” e “sem história” foram alguns dos juízos mais recorrentes neste encontro informal de críticos em local tão inusitado. Às vezes assusta o quanto o público de cinema está pouco aberto a experimentações e outras propostas para as grandes telas...

Contribui também para o incômodo que Luz Silenciosa pode causar a escassez como elemento presente em todos os momentos da narrativa. A disciplina e a rigidez de uma realidade orientada por costumes religiosos estabelecidos há muitos anos se faz presente nas poucas falas, nos poucos acontecimentos, na contenção das emoções, etc.

Mesmo o sexo entre o casal que se ama não corresponde à explosão de sentimentos característica desse tipo de momento no cinema. Sequer segue o que se poderia chamar de um “padrão Reygadas” de retratá-lo (em Japón e Batalha no Céu algumas cenas que foram bastante criticadas por sua crueza e por explorarem os corpos dos atores de modo muito próximo ao do sexo explícito), o que foi uma decisão muito acertada do diretor.

A continuidade de certas marcas autorais é quase inevitável na medida em que o realizador vai construindo suas diferentes obras. E na verdade não são estas pequenas repetições que fazem com que se possa identificar os vestígios de um grande diretor. O que eleva este cineasta mexicano à constelação dos principais nomes da contemporaneidade é a sua maneira audaz de lidar com alguns dos cânones da sétima arte, goste-se das soluções encontradas por ele ou não.

Eu, por exemplo, ainda não consegui decidir se me agrada que a morta ressuscite após o sincero arrependimento de seu marido e da amante. Claro, existe uma doença que causa falecimento aparente, e poderia ter sido esse o caso. Mas que, pelo menos à primeira vista, parece com algo que aconteceria em um filme de Hollywood (e que eu execraria) é indiscutível.

Não deixa de ser mais uma provocação interessante de Reygadas, tenha sido esta sua intenção ou não. Luz Silenciosa, especificamente, e seus filmes em geral, não estão planejados para o gosto do grande público. E no final, ao se valer de um recurso caro ao que este está acostumado, acaba também se afastando daquele que seria o “seu” público (mais “intelectual”, que gosta de filme “sem história” e “personagens chatos”.).

De qualquer maneira, é uma obra que merece ser vista. Uma pena que, sendo como é feita a distribuição e exibição em nosso país, poucos terão tal oportunidade.

Monday, August 11, 2008

¿Quién mató a la llamita blanca?

No dia 11 de agosto, o país não poderia ser outro...

¿Quién mató a la llamita blanca? é o segundo filme do diretor Rodrigo Bellot. Sua obra de estréia, Dependencia Sexual (2003), foi muito bem recebida pela crítica. Já aquela, embora tenha sido um imenso sucesso de público tanto nas salas de cinema quanto nas mãos dos ambulantes, foi muito menos unânime nas avaliações dos especialistas.

É um longa-metragem ficcional bastante audacioso, em sua concepção e realização. Enquanto projeto, é mais que uma tentativa de contribuir para a construção de uma indústria cinematográfica boliviana sustentável (o que já é uma tarefa hercúlea). É também a pretensão de usar os formatos e parâmetros visuais e perceptivos que a população consome diariamente para abordar as questões específicas do país.

No texto de apresentação encontrado na página do filme lê-se: “Contamos nuestras historias, con un estilo de narración que estamos acostumbrados a consumir, sólo que ahora, nuestro proceso se lleva a la inversa, nosotros – los bolivianos – somos los productores, los dueños de la historia y del mensaje, y ahora contamos nuestra realidad, para mostrársela al mundo.” (SITE OFICIAL DO FILME)

Para cumprir tal meta, a equipe utiliza uma infinidade de recursos que povoam as imagens hegemônicas: animação, efeitos especiais, tela dividida, letreiros e setas, fotos fixas... Tudo isso carnavalizado, re-apropriado, para falar de “el racismo crónico disfrazado de regionalismo, el clasismo, la intolerancia y la corrupción socialmente aceptada” (Idem).

Seus dois (anti)heróis, os criminosos Jacinto e Domitila, são habitantes de El Alto, cidade vizinha de La Paz, composta majoritariamente por indígenas e camponeses migrantes das regiões rurais do país, e mais recentemente, na década de 80, por diversas questões econômicas , de cocaleros oriundos de Cochabamba e mineiros de Potosí.

Ao longo de sua trajetória pela Bolívia (Jacinto e Domitila – os tortolitos são pagos para levar cocaína até o Brasil, tendo, portanto, que atravessar quase todo o seu país) passam por algumas de suas principais cidades, como Oruro, Potosí, Cochabamba, Santa Cruz, além de La Paz e El Alto, seu ponto de partida. Ficam explícitos os conflitos território-culturais e suas implicações, tais como preconceitos e visões diferentes de gestão para o país.

Jacinto e Domitila usam para praticar seus crimes um traje que mistura elementos ‘andinos’ com ‘ocidentais’ – como afirma Domitila, uma roupa como a dos Power Rangers. Além disso, para se divertir vão a um bar no qual toca uma banda de rock e há uma grande tolerância às drogas ilícitas. Ou seja, não são “índios agarrados a sua cultura secular”, e sim habitantes de uma grande cidade em um país periférico, que carregam consigo, junto às tradições, influencias oriundas de outras partes do mundo.

No caso de seus antagonistas, os policiais Chicho e Perucho, a situação é ainda mais complexa. Perucho é nascido na região ocidental da Bolívia, portanto colla como os tortolitos. Todavia, depois de anos de trabalho dentro das forças repressivas do Estado, adotou o pensamento de que os collas são bandidos, baderneiros, bloqueadores de estrada, o que fragilizou bastante seu pertencimento a esta categoria.

Já Chicho, responsável por emitir alguns dos comentários mais preconceituosos do filme, é filho de uma boliviana com um estrangeiro que não o assumiu. Assim mesmo se considera um camba (das terras baixas, região mais rica do país) alemão, pois, segundo ele, “os cambas nascem onde querem”.

Embora não aponte propostas explícitas para a resolução dos conflitos território-culturais enfrentados pela/na sociedade boliviana e materializados nos quatro personagens principais (seria possível ler a insinuação de uma aliança de classe como solução, mas, de fato, ¿Quién mató a la llamita blanca? é um filme muito mais provocativo que propositivo), a posição da obra é a de que superá-los é possível. E é este o tom que do poema de Eduardo Galeano escolhido para encerrar a narrativa.

“Nuestros países nacieron condenados/a una suerte de fatalidad del miedo de ser/que nos impide de vernos como somos/y como podemos ser...
Pero, ese miedo NO es invencible/el racismo NO es una fatalidad del destino/NO estamos condenados a repetir la historia.”

(reflexões desenvolvidas junto com Cadu Marconi)