Sunday, March 15, 2009

Personal Che

O que significarão, exatamente, as mudanças anunciadas no governo de Cuba?

Personal Che (Brasil/Estados Unidos/Colômbia, 2007), documentário dirigido por Douglas Duarte e Adriana Marino, elege como seu tema principal um fenômeno facilmente perceptível nas ruas e que, até o momento, havia despertado poucas análises, pelo menos nas grandes telas: os diversos usos contemporâneos que estão sendo feitos da imagem do revolucionário argentino Ernesto Che Guevara.
Para citar um exemplo bastante corriqueiro: aquela camiseta do guerrilheiro morto há mais de 40 anos que vende no camelô, na feira hippie, na internet e até em lojas de departamento, o que ela significa exatamente? É possível encontrar alguma semelhança no pensamento e nas práticas das milhares de pessoas que fazem uso dela todos os dias?
Através de entrevistas realizadas em países tão diferentes como Cuba, Estados Unidos, Bolívia, Alemanha e China, a dupla de cineastas começa a montar um mosaico de histórias que, no final do filme, permitirão ao espectador tirar suas próprias conclusões sobre como encarar o consumo massivo de uma figura história que dedicou quase toda sua vida a lutar contra a sociedade de consumo tal como a conhecemos.
Pode-se afirmar com toda segurança que os resultados por eles encontrados são no mínimo inusitados. Pessoas de extrema-direita, pessoas muito religiosas, pessoas que se consideram de esquerda, pessoas que afirmam não se interessar por política... Todas elas têm suas representações daquele que consideram ser um herói, assim como justificativas coerentes (ao menos dentro de suas lógicas) para a preferência por este personagem, e não por qualquer outro.
Desvendar cada um desses pequenos universos é um dos pontos altos deste filme, que tem também ao seu favor o ineditismo e a criatividade de sua proposta e, é claro, o inegável carisma de Che Guevara, capaz de fazer com que ninguém consiga ficar indiferente a ele.
Contudo, nem só de alegrias vive Personal Che. No seu nível formal, identifica-se a repetição de um padrão bastante comum no cinema brasileiro (e, vale dizer, também no mundial): a distinção entre a voz do saber e a voz da experiência, para usar uma nomenclatura de Jean-Claude Bernardet. Apesar de trazer algumas atualizações ao modelo de documentário sociológico tradicional, como não se valer da voz sobreposta e explorar a presença dos corpos dos realizadores em cena, a obra claramente reserva lugares distintos para sujeitos distintos. E qual é o critério de diferenciação, ou melhor, de hierarquização? A presença – ou ausência – dos entrevistados da academia. Aqueles a quem poderíamos chamar genericamente de “intelectuais” explicam a paixão dos outros. A estes cabe apenas narrar o que sentem, como sentem e que forma agem. Não lhes é solicitada uma reflexão sobre os por quês.
No nível ético, há em especial um momento do filme que é bastante controverso. Um dos diretores conta a uma senhora boliviana devota de Che Guevara (a quem chama carinhosamente de “alminha”) que seu santo era, na verdade, ateu e guerrilheiro. Fica muito evidente que o impacto de tal revelação é enorme e muito dolorido para ela, que fica muda durante alguns momentos – os quais, de tão constrangedores, conseguem deixar a plateia desconfortável.
É possível imaginar o dilema gerado pela sequência na hora da montagem. Se utilizada, poderia caracterizar Douglas Duarte como desrespeitoso e insensível para com os seus entrevistados. Se omitida, conferiria ao resultado final uma impressão de não-conflitividade que pode ter sido a regra, mas que contou com pelo menos esta importante exceção. A opção foi jogar o veredicto final para o telespectador. Concorde-se ou não com seu comportamento, ou mesmo com sua decisão, ela foi, é preciso destacar que foi ao menos, corajoso.

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