Sunday, May 10, 2009

Tony Manero

E se o novo presidente do Chile fosse filho de desaparecido da ditadura Pinochet?

Quando vi entre os filmes em cartaz o nome Tony Manero (Chile, 2008) e li a sinopse do mesmo decidi que iria vê-lo. Além de parecer interessante, também me soou engraçada a história de um homem que, em tempos de ditadura Pinochet, conseguisse pensar apenas em se tornar o famoso personagem de John Travolta nos Embalos de sábado à noite.
Bom, engraçado não é exatamente um adjetivo com o qual se possa definir a obra de estréia do diretor Pablo Larraín. Como disse um amigo que me ligou quando estava já a caminho da sala de cinema, trata-se antes de tudo de uma produção “estranha”.
Raúl Peralta (excelente interpretação de Alfredo Castro, que pelo papel ganhou o prêmio de melhor ator no festival de Havana do ano passado), um homem de meia-idade, vive em uma casa/cortiço/bar com os demais atores com os quais trabalha e com uma mulher mais velha que parece ser a proprietária do estabelecimento. São relações truncadas, não-ditas, que vão se revelando muito aos poucos ao espectador.
Incapaz de dar um sorriso e de fazer qualquer outra coisa que não seja lutar para se tornar Tony Manero, passa por cima de todos aqueles que possam atrapalhar seu caminho. O que pode significar desde matar o homem que está se aproveitando de sua fixação para lhe cobrar um preço acima do mercado por blocos de vidro até dormir com a filha de sua parceira.
Esta, aliás, também é outra personagem que vai se revelando doente durante a narrativa. Vive propondo a Raúl que eles abandonem o restante do grupo e formem um número só deles, suporta todo tipo de humilhação que ele a submete e chega ao extremo de denunciar a própria filha – e consequentemente o outro ator do espetáculo – no dia seguinte em que ela se envolve com seu amado.
Vale dizer, a inserção do contexto repressivo se dá de forma muito interessante no filme. Cometendo atos ilícitos, o protagonista diversas vezes precisa se esconder da polícia, que patrulha incessantemente as ruas. Em uma delas, presencia o assassinato de um militante anti-Pinochet. Como seria de se esperar, ao invés de ficar minimamente abalado com o ocorrido, o Tony Manero chileno rouba os pertences de valor do morto.
Contudo, se Raúl é indiferente ao que está acontecendo a sua volta, não se pode dizer o mesmo de todos. A dona do espaço onde todos habitam, por exemplo, é declaradamente a favor do governo militar. Já os mais jovens se engajam na luta contra a repressão. O que, apesar de seus esforços, é percebido pelos outros.
Certos aspectos da linguagem também contribuem para afastar a obra daquilo que tradicionalmente se encontra nas grandes telas dos exibidores comerciais. O primeiro que aparece, e talvez o que mais salte aos olhos, é o foco. Diversos planos simplesmente não o tem. E não há nenhuma justificativa diegética para isto. Não são planos ponto-de-vista de um personagem que está com a visão turva, por exemplo.
Além disso, a decupagem não segue regras muito convencionais. Merece destaque uma cena de sexo entre Raúl e Cony na qual os diálogos obedecem a uma ordem lógica mas a movimentação da atriz não. Ela faz uma pergunta colada nele, mas quando ouve a resposta já está em uma poltrona. E fica claro que o homem não hesitou ou demorou a responder.
É de se imaginar que Tony Manero não faça uma grande bilheteria. Em sua segunda semana já estava em apenas uma sala e em um só horário. Boca a boca é algo fundamental para qualquer produção, em especial aquelas sem grandes recursos para investir em propaganda. E sem agradar boa parte – para não dizer a maioria – do público, tudo fica ainda mais difícil.
Da minha parte, faço coro à frase do The Times London estampada no cartaz: “Wonderfully Bizarre”.

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