Sunday, June 29, 2008

Los rubios

Em homenagem ao confronto governo X grandes plantadores de soja, na esperança de que ambos percam...

“Eu me chamo Analía Couceyro e nesse filme faço o papel de Albetina Carri.”
Uma frase como esta dentro de um filme, e não em uma entrevista dos extras de um DVD, já causa estranhamento. A situação ainda fica mais inusitada quando se tem conhecimento de que a referida Albertina Carri é a roteirista e diretora da obra, no caso, um documentário.
Assim é Los rubios (Argentina, 2003), uma não-ficção (?) autobiográfica sobre tema difícil de definir, que seria aproximadamente, mas não só, a busca e reconstrução da protagonista pela memória de seus pais, assassinados durante a última ditadura militar do país.
Em um primeiro momento pensei que, tendo alguém para interpretar Albertina, esta não apareceria diante das câmeras. Quem sabe a razão para tal escolha não pudesse ser uma forte timidez? Contudo, o que ocorre na medida em que o longa avança é algo diferente. A proposta é efetuar no plano fílmico uma divisão absolutamente inexeqüível na “vida real”, a saber, a fragmentação desta mulher em duas. Caberia, portanto, à atriz interpretar sua dimensão filha condutora/construtora da história, ficando a “verdadeira” com sua parte realizadora de cinema.
Se as razões para esta opção não são nunca explicadas ao espectador, algumas pistas, no entanto, são fornecidas. Em mais de um momento comenta-se entre a equipe (que é personagem, na medida em que o próprio processo de realização fílmica também o é) o quanto foi positivo não ser Albertina quem estava encarregada das entrevistas. O papel desta nas gravações é dirigir da melhor maneira possível as cenas, e não emocionar-se.
Esta postura, que se sustenta na maior parte da obra, consegue produzir seqüências incríveis. Em uma delas Albertina dirige sua atriz, que tem que contar em entrevista, olhando para a câmera, o quanto ela odeia velas de aniversário, estrelas cadentes, passar por debaixo de uma ponte, enfim, tudo o que implique em fazer um desejo, pois o dela sempre foi e é o mesmo: que seus pais voltem, e que seja logo.
Enquanto Analía executa sua tarefa transmitindo grande emoção, Albertina sorri muito contente, olhando pelo viewfinder, frente ao grande plano que conseguira captar. A utilização do preto e branco e do colorido para diferenciar “as duas Albertinas” (recurso bastante utilizado, principalmente na primeira metade da obra), longe de ficar piegas, acrescenta algo somente da ordem do perceptível que contribui muito para a fruição deste que é um dos grandes momentos do filme.
Outra seqüência maravilhosa derivada dessa opção (que é tão crucial para a diretora que faz ela se indispor com o Instituto Nacional de Cinema e Artes Visuais, o qual quando avaliou o roteiro a princípio se posicionou contra) é a final – ATENÇÃO: eu disse final, ou seja, quem ler vai saber o final do filme. Em uma paisagem campestre, que aparece diversas vezes ao longo do documentário e faz referência ao local onde Albertina e suas irmãs foram morar quando a família parou de receber as cartas de seus pais enviadas da prisão, a “Albertina fake” caminha por uma estrada de terra/lama, se afastando da câmera, praticamente desaparecendo de quadro. Ela ostenta uma peruca loira, que passou a acompanhá-la após alguns ex-vizinhos entrevistados se referirem a família como “Los Rubios”.
Em seguida a equipe interrompe a gravação e, também eles, também com perucas loiras, pegam a estrada e desaparecem. Surgem os créditos com os nomes principais e a imagem retorna. São Albertina, a “verdadeira” e a “falsa”, sendo que a primeira ensina a segunda a cavalgar para poder melhor interpretá-la.
Para finalizar, cabe dizer que este é um filme muito interessante e complexo, que se presta a diversas análises (que não farei por falta de linhas, não de interesse), e esta é apenas uma delas.

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